PREÂMBULO
Dos Deuses e da Criação do
Mundo.
No princípio só havia o Tempo, o Destino e Calon, que vagava sozinho no vazio
gelado e escuro da imensidão. Foi então que, sentindo seu poder, num rápido
movimento, Calon bateu palmas dando início ao que chamou universo. De repente, por entre seus dedos verteu algo cristalino e
límpido que ele chamou água. E muita
água ele criou, dando ao primeiro elemento um formato esférico. E o imenso
globo flutuante que surgiu Calon chamou mundo.
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Após a criação do mundo,
muito tempo passou, e Calon ainda sentia seu poder inquieto, sentia que sua
criação estava apenas começando e percebia que o Destino preparava algo maior. De
súbito, então, labaredas arderam em suas mãos e as chamas do segundo elemento,
que ele chamou fogo, foram colocadas
no interior do mundo, fazendo logo as águas ondular e bolhas de gases e vapores
formarem-se no centro daquela esfera aquosa, irrompendo, em seguida, até a
superfície das águas. Aquelas exalações, na superfície, tornaram-se sólidas e
vastas e quando a chama no interior do mundo pareceu extinguir-se, o terceiro
elemento, que ele chamou terra, já
cobria grande parte do mundo. Em meio às ondulações e explosões no seio do
mundo, muita água ficou presa no interior da terra formando correntes que
buscavam incessantemente a porção maior. As águas correntes, Calon chamou rios e as águas primordiais, oceano.
Eis que assim terminou a
primeira era.
Após as transformações do
mundo, que ocorreram sob a benção do Tempo, cessarem, Calon passou a caminhar
pela terra e pelo oceano, sempre angustiado com seu poder e sentindo-se só.
Tamanha era sua solidão que inúmeras vezes ele chorou e durante anos suas
lágrimas caíram no oceano. Tantas foram elas que tornaram as águas primordiais
salgadas e mais vastas. E foi em meio àquela tristeza que o poder de Calon
mostrou-se mais uma vez. Então, numa praia distante, ao pé de um vulcão, onde
os três elementos encontravam-se unidos, ele tomou nas mãos uma porção da terra
e deixou-a ser moldada pelo fogo e pela água, dando origem, primeiro, a Devadon, para quem deu sua onipotência, em
seguida a Valúnia, para quem deu sua
sabedoria.
Valúnia era muito bela e
bondosa. Durante longo tempo ela viveu junto de seu senhor, mas sua obrigação
era para com o terceiro elemento, e com o poder que recebeu quando fora criada
ela deu origem à vida, tomando nas mãos a terra de onde surgira e soprando seus
grãos sobre todo o mundo. Calon viu o que fora feito, viu aquele sopro envolver
o mundo e o chamou ar, o quarto
elemento. Os grãos da terra que caíram no mar foram transformados pelo poder de
Devadon, tomando várias formas, e foram chamados peixes. Alguns outros continuaram flutuando nos ventos e deram
origem ao que Valúnia chamou pássaros.
Finalmente, os que voltaram à própria terra, originaram o que ela chamou de animais e plantas. Desses, alguns imitaram a forma de Devadon e de Valúnia, e
foram chamados homens, e a eles ela
deu seu amor e Calon sua imortalidade.
Devadon era forte e
determinado. Sua obrigação era para com o primeiro elemento, e com o poder que
lhe foi concedido ele criou todas as criaturas do mar, e criou recifes de
corais e abismos tão profundos quanto seu poder. Foi ele quem ensinou aos
homens a arte da pesca e da navegação, e deu a eles as ondas brincalhonas da
praia, as marés e o balanço sereno do alto mar. E desse modo comandou os mares
segundo a vontade de Calon, bem como as águas mais distantes no interior da terra.
Eis que assim terminou a
segunda era.
Com o passar dos anos Calon
percebeu que os homens temiam a escuridão do vazio que circundava o mundo, foi
então que seu poder mostrou-se novamente, e Calon voltou a vagar no vazio pela
primeira vez, levando consigo uma fagulha do fogo que ainda ardia no seio da
terra. Séculos ele passou na escuridão e os homens só sabiam dele através do
brilho da chama que carregava, chamas que subitamente explodiram sobre o mundo
fazendo surgir duas esferas ardentes e brilhantes em lados opostos do mundo, e
o deus criador chamou as imensas esferas de sóis,
e os raios que deles partiram ele chamou luz.
O vento que cercava o mundo, atravessado pelos raios de luz, tornou-se azul,
bem como o oceano, e Calon o chamou céu.
No céu, com o passar do tempo, surgiram formas leves e brancas que flutuavam
com o vento, estas Valúnia chamou nuvens.
Mas o que de maior e mais extraordinário surgiu da luz das esferas de fogo, foi
Lara, para quem Calon deu sua beleza,
e Trondór, para quem deu sua força.
Quando as luzes dos dois
sóis encontraram-se sobre o mundo, em meio ao vazio, pela primeira vez, uma
suave melodia soou, uma melodia que tinha a beleza de Valúnia, a força de
Devadon e os ecos das palmas de Calon, que deram início ao universo. Desta sublime
música nasceu Lara, aquela que os homens chamaram Deusa da Luz, e sua obrigação
era para com o segundo elemento. Lara era alegre e exuberante, e apesar de sua
morada ser na luz quente e brilhante dos sóis, ela também vagava pela terra
naquele tempo, tendo um apreço especial pelas planícies e pelas cachoeiras e
fontes onde admirava sua luz decomposta em cores.
No momento em que o primeiro
raio de luz atravessou o vento criado por Valúnia um estrondo, que Calon chamou
de trovão, ecoou por todo o mundo, e
deste vigor sonoro, ouvido em todo o universo, surgiu Trondór, cuja obrigação
era para com o quarto elemento. E a ele os homens chamaram Deus das
Tempestades. Trondór, irmão de Lara, era ágil e vigoroso, e como todos os
outros deuses faziam naquele tempo, ele também andava pela terra em meio aos
homens. Foi em uma de suas viagens pela terra, aliás, que ele encontrou e abençoou
Célere, o cavalo dos ventos que lhe serviu de montaria.
Eis que assim terminou a
terceira era.
A quarta era teve início com
uma terrível guerra – A Partida dos Deuses – na qual as tribos humanas lutaram umas
contra as outras por inveja e ganância. Com aquela guerra os homens criaram a
discórdia e a ira, fazendo os deuses conhecerem a desgraça. Calon, quando
retornou ao mundo, foi tomado pelo ódio, e tamanha foi sua fúria, que dos
homens ele tomou sua imortalidade. O ódio, então, fez seu poder manifestar-se
novamente, e da punição e da escuridão do vazio que os homens sempre temeram,
ele criou Sargóz, para quem deu sua
cólera. Os homens, naquele momento, conheceram a morte, e chamaram seu algoz de
Deus da Escuridão.
Sargóz era terrível e
grandioso, sua obrigação era punir os homens com a morte, e amedrontar seus
corações com o sofrimento e a dor. Para tanto, um grande poder foi-lhe concedido,
e em seus olhos, desde o início, estava presente todo o rancor de Calon.
A grande guerra entre as
tribos dos homens e a criação de Sargóz fizeram surgir a desgraça entre os
deuses. Valúnia e Lara foram as primeiras a deixar o mundo, quando o algoz dos
homens feriu a vida e a luz com a permissão de Calon, deixando cicatrizes que
nem o Tempo foi capaz de apagar. Trondór partiu em seguida, mas não antes de
tentar reunir novamente os homens e impedir a guerra, com raios e trovões,
ventos e tempestades, tudo em vão. Devadon, por fim, também partiu. Antes,
porém, colocou seu lamento no som das ondas do mar, e sua melodia entristeceu
Calon mais do que tudo, fazendo-o arrepender-se de seu ódio.
Gerações de homens surgiram
e morreram durante toda a quarta era, e com aquilo crescia o poder de Sargóz,
que se tornou o único sobre o mundo quando Calon voltou a vagar no vazio pela
segunda vez. Tamanho tornou-se o poder do Deus da Escuridão que em profundas
cavernas da terra, aonde a luz jamais chegou, Sargóz criou muitos soldados para
atormentar os homens, e os chamou de sombras,
gigantes, licantropos e mortos-vivos, criaturas vis que para
sempre se tornaram perigos para o mundo inteiro.
Eis que assim terminou a
quarta era.
Enquanto vagava pela
escuridão Calon via as almas dos homens, outrora imortais, deixarem o mundo e
perderam-se no vazio do universo. Foi com aquela visão que seu poder voltou a
manifestar-se e ele criou, em meio ao vazio, um lar para as almas, e o chamou limbo. E da pureza das almas humanas,
que representam os aspectos eterno e divino dos homens, ele criou Eleia, para quem deu sua austeridade.
Segundo os desígnios de Calon, ela devia comandar todo o limbo e cuidar das
almas daqueles que perdiam a vida no mundo. Medeia era calma e severa, a única
entre os deuses que jamais conheceu o mundo, e a quem os homens chamaram Deusa
da Morte.
Ao deixar o vazio, voltando
ao mundo, perturbado e melancólico, Calon vagou por abismos e vales, por campos
e montanhas, desertos, pântanos e densas florestas, acompanhado apenas pelo
Tempo. Foi então, durante a angústia, que seu poder manifestou-se mais uma vez,
e ele dormiu sob a sombra de um imenso carvalho, revelando, em sonhos, seus
mistérios e desejos mais profundos. Tamanhos eram os segredos e a vontade de
Calon que, com a força de seus sonhos, a grande árvore foi moldada por seu
inconsciente dando origem a Fancór, para
quem Calon deu sua obscuridade. Fancór era sereno e capcioso, e sua obrigação
era para com os segredos de todo o universo. Pelos homens ele foi chamado de
Deus dos Mistérios, e todos o respeitavam e temiam, por desconhecerem os
motivos de sua criação.
Fancór vagou pela terra
criando plantas e criaturas tão estranhas quanto magníficas. Ele criou as dríades, as ninfas e as fadas, entre
outros seres, tudo sem deixar sua morada, a vasta floresta de Monfar, a Terra
das Vozes, como foi chamada pelos homens, a mais antiga das florestas do mundo,
um lugar isolado, perigoso e repleto dos mais fantásticos mistérios.
Eis que assim terminou a
quinta era.
Após o retorno de Calon ao
mundo, uma grande angústia tomou conta de Sargóz e este percebeu que o Destino
lhe reservava algo terrível. Sargóz, então, tramando permanecer sozinho no
mundo e governá-lo com sua tirania, procurou Fancór, o senhor dos segredos, aquele
que jamais deixou o mundo, e assim a escuridão e o mistério uniram-se contra
Calon. E daquela luta resultou a partida dos últimos deuses.
Sargós esperava que a
batalha final, e o fim da guerra, ocorresse na planície de Trada, e lá ele
reuniu todo seu poder com o intuito de destruir os maiores e mais fortes exércitos
e tribos dos homens. Porém, Calon encontrou, entre estes, dois líderes capazes
de enfrentar o medo e o terror impostos pelo Deus da Escuridão e seus
exércitos. Foi então que, fomentado pela esperança, seu poder manifestou-se novamente,
e assim surgiram Helcrandar e Tran, os abençoados. Para o primeiro
Calon deu sua esperança, para o outro sua determinação.
Helcrandar era leal e
altivo, e foi chamado pelos homens de Deus da Justiça. Tran era valente e determinado,
e foi chamado de Deus da Guerra. Dois grandes exércitos foram formados por
aqueles homens, que com o toque divino de Calon tornaram-se poderosos como os
deuses, e a força de Sargóz tornou-se pequena diante dos paladinos de
Helcrandar e dos guerreiros de Tran.
Os últimos Deuses, então,
lutaram na planície de Trada expulsando Ságoz e derrotando seus exércitos.
Naquela batalha o Deus da Escuridão foi vencido e ele e Fancór foram capturados
por Tran. Contudo, o poder de Sargóz ainda era imenso, de modo que apenas Calon
poderia derrotá-lo completamente.
Após a Batalha de Trada, o
prisioneiro de Tran foi levado à presença de seu criador e sentenciado por sua
união de guerra. A ele Calon disse: “Tu Fancor, filho da angústia e do
mistério, jamais habitarás entre os deuses. Tua criação e existência são, para
teus iguais, incompreensíveis e perversas. E nem mesmo eu, teu senhor,
considero-te digno de lealdade. Assim, condeno-te a vagar eternamente em tua
morada, longe dos imortais e do poder divino!”. E subitamente o corpo de Fancór
tornou-se desforme, translúcido, e em seguida uma fumaça esverdeada. Então, com
um sopro, Calon o dissipou na brisa do dia. E lentamente o vento o levou em
direção a Monfar, onde aquela nuvem de gás esverdeada espalhou-se por toda a
floresta, como que abraçando cada árvore do lugar, e estas passaram a falar
umas com as outras, e tornaram-se capazes de ganhar vida, pois o próprio Fancór
habita cada uma delas.
Mas de repente, do vazio
ouviu-se um estrondo que ecoou por todo o universo, fazendo o mundo mover-se e
girar, as marés elevarem-se, vulcões explodirem, a terra tremer e furacões
soprarem. E então se ouviu a voz de Calon: “Tu não és digno de dominar o que eu
criei, Sargóz, filho da escuridão e do castigo. Por isso te expulso do mundo
que tanto quisestes dominar! E para que os homens lembrem-se para sempre de sua
punição, os corpos de seus mortos irão vagar eternamente no vazio, como uma
chama, e eles irão brilhar na escuridão para lembrá-los, de sua desgraça”. E o
deus da escuridão foi mandado para um dos sóis e lá foi queimado pelo fogo de
Lara, e aquele sol perdeu sua luz e definhou, e os homens em guerra viram um
lado do mundo escurecer, e o escuro do mundo eles chamaram noite, e ao sol morto eles chamaram lua.
Por fim, Calon deixou o
mundo, para vagar no vazio, pela terceira vez, levando consigo os últimos
deuses, Helcrandar e Tran. E toda sua criação foi deixada aos homens, os
herdeiros do mundo.
Eis que assim terminou a
sexta era.