A verdadeira origem do RPG


Reza a história que em 1974, Gary Gygax e Dave Arneson, através de jogos de tabuleiro, aliaram as regras de números e turnos de ação com a liberdade de contar histórias, e assim ampliaram as possibilidades naquele jogo. De fato, essa é a fórmula clássica que hoje utilizamos em nossas mesas de poder, o ritual básico para a criação de mundos e personagens. Mas a matéria prima de tudo isso surge bem antes, nos primórdios do nascimento do homem, e é nesse início que veremos o começo dos jogos de interpretação de personagem.

A palavra, o mito, o conto

No processo de evolução do Homo Sapiens, uma ferramenta tão decisiva para sua sobrevivência, quanto o polegar opositor, as armas e a fricção para gerar o fogo, foi desenvolvida: a palavra. Por esta, a comunicação se ampliou e com isso a organização social. Veio o mito como a primeira explicação dos fenômenos da existência, e com ele o conto.

Os primeiros homens jogaram com a narrativa, e em grupo, interpretavam seus personagens e desenvolviam os primeiros panteões de deuses. Tinham sua “mesa” em volta de uma fogueira ou altar, e podemos dizer que as regras se baseavam em relacionar o conto com os fenômenos naturais que ocorriam, afinal, este era um dos principais fins do mesmo.

Em qualquer cultura ancestral que procuremos, esses elementos estão presentes de diferentes modos, sejam eles rituais de agradecimento à colheita, de aceitação da morte, de preparação à guerra. A narrativa e a personificação de personagens, dentro de determinadas regras, são fundações sólidas para o que hoje conhecemos como Role Playing Game.

Entender as origens

Definindo que os próprios ritos das diversas culturas iniciadas na antiguidade eram forma de jogo (ver: RPG e jogo) e que ao longo das eras jogos e brincadeiras foram criados, modificados, adaptados e evoluídos, com suas diversas formas, temos um verdadeiro mosaico cultural e artístico se desenvolvendo ao longo das eras entre diversos espaços, ora se relacionando, ora se anulando, mas sempre possibilitando novas experiências e criações aos seres humanos. 

É por isso que foi possível ir do conto tribal ao xadrez, do xadrez aos demais jogos de tabuleiros, e dos mesmos ao RPG, isso simplificando muito essa escala evolutiva, cheia de idas e vindas. Qualquer avanço tecnológico que temos hoje resulta de descobertas e experiências que ao longo do tempo foram se completando e se tornando obsoletas, substituídas. Há que vermos os jogos de interpretação de personagens como uma evolução, recheada de artifícios e qualidades que resultaram de milhares de anos de aprendizado até chegar aqui.

Não queremos diminuir a importância daquela criação de 1974, muito pelo contrário. A riqueza dela consiste exatamente em surgir da apropriação de várias criações da cultura humana. Queremos mesmo é chamar atenção aqui sobre a profundidade que possui essa forma de lazer, se apropriando da palavra, do conto, do jogo, da narrativa, da literatura, do teatro, e de várias categorias artísticas, lúdicas e educativas presentes em sua composição.

Por tudo isso, é que precisamos ver e ter o RPG como um dos melhores jogos criados por nossa espécie, graças a tantas possibilidades que possui. Mas para isso precisamos entender suas origens, compreender o fato, e sairmos da mediocridade com que muitas vezes somos tomados ao pensarmos e falarmos sobre esse espetacular meio de cultura.