RPG Nacional: Old Dragon

Enquanto uns pregavam o apocalipse no cenário rpgístico brasileiro, outros, como a Retropunk Game Design, a Conclave Editora e o Mighty Blade, cresciam cada vez mais. Foi notória a revolução que essas e outras editoras indies fizeram no mercado tupiniquim entre as datas de 2006 e 2010, trazendo para nós, adoradores desse hobby tão divertido, ótimos títulos. E é sobre um deles, talvez o mais conhecido, que vamos falar hoje: o Old Dragon.
O Old Dragon é uma iniciativa de Fabiano Neme e Antônio Sá Neto, dois autores que se juntaram para criar o jogo que seguiria os moldes “old school” do RPG mais famoso do mundo, o D&D. Cansados do rumo que o hobby tomou nos últimos anos, esses dois caras, numa proposta pioneira, começaram a trabalhar num projeto que se tornaria o primeiro RPG OSR do Brasil. Para muitos, esse plano seria um fracasso; mas para aqueles que acreditaram, a idéia se tornou realidade – e foi além, presenteando todos os amantes da boa fantasia de papel com um material de primeira.
As mudanças prometidas pelos autores são vistas logo na parte física do produto. Diferente dos modelos comuns de livro, o manual vermelho do sistema Old Dragon segue um padrão A5, duas vezes menor que o formato A4 normalmente usado pelas editoras brasileiras de RPG. Sua capa é de brochura, e possui, como um livro de romance, orelhas com elementos curtos do próprio conteúdo interno do volume, tão bem escritos, que aguçam a curiosidade do leitor.
Em suas mais de 150 páginas de papel couché (o mesmo tipo de papel usado no Mundo das Trevas), podemos ver uma escrita fluída e de fácil assimilação, além de uma diagramação profissionalíssima encabeçada pelo já experiente Daniel Ramos. Os desenhos e figuras também são uma atração a parte, com ilustrações feitas por artistas nacionais e internacionais, evocando o espírito do OD&D e dando um show de técnica hatching e etching.
O primeiro capítulo, logo após uma introdução magnífica que explica sucinta mas perfeitamente o que é o espírito old school e os porquês dos autores optarem por esse tipo de estilo, traz para gente os Atributos. Nele, nós podemos ver que o Old Dragon é um RPG especialmente voltado para as pessoas que possuem ou já possuíram algum contato com o hobby. Força, Destreza e Constituição são descritos apenas de forma mecânica, e toda aquela explicação dos atributos batida e conhecida por todos, como “o poder que o personagem tem de levantar objetos pesados”, “a velocidade do aventureiro” etc., é deixada de lado. O capítulo1 termina explicando como funcionam as jogadas resistidas e os testes envolvendo as características físicas e mentais do personagem, que agora são mais fáceis e simples.
As raças, por sua vez, são descritas e explicadas no capítulo seguinte, que mostra quatro delas: os Humanos, os Anões, os Elfos e os Halflings, cada um com sua devida descrição genérica. Algo interessante nesse capítulo é o resumo mecânico destacado de cada raça, o que agiliza completamente a vida daqueles que querem fazer uma ficha rápida.
As classes também são quatro, sendo as básicas: Homem de Armas, Mago, Ladrão e Clérigo. Para muitos, a grande graça do Old Dragon está justamente aqui. Sem os talentos da 3.5, o capítulo de classes nos traz a progressão de cada uma em separado e nos mostra formas variadas de evoluir, uma vez que cada classe requer um número distinto de pontos de experiência para alcançar o nível seguinte. Além disso, os ladrões ganharam habilidades “diferentes”. Escalar muros ou abrir fechaduras, por exemplo, passaram a ser aptidões acrescidas em porcentagens a cada nível. Os magos, por sua vez, também “mudaram”, e sofreram uma redução na quantidade de magias por dia. Contudo, em compensação, receberam como gratificação acesso às feitiçarias mais “poderosas”, nos termos old school de se jogar, mais cedo. E assim como no capítulo de raças, o capítulo 3 também traz resumos mecânicos que destacam os pontos mais relevantes da classe, o que torna a criação de fichas mais rápida. Mas a novidade mesmo fica por conta das Especializações.
Como o sistema as chama, as Especializações são subclasses que podem ser obtidas a partir de um determinado nível de personagem e que dão habilidades extras aos jogadores que as adquirirem. Cada uma está atrelada a uma das classes básicas e necessitam somente de um determinado alinhamento para serem seguidas. São 11, distribuídas dessa forma: 
1) Homem de Armas – 1.1) Paladino (ordeiro): cavaleiros devotados que seguem seus princípios (bons ou não, veja adiante) fervorosamente; 1.2) Guerreiro (neutro): um exímio combatente capaz de manejar diversos tipos de armas como nenhum outro homem; 1.3) Bárbaro (caótico): um brutal lutador que se desapegou das leis e costumes da sociedade e passou a encarar o combate com mais selvageria. 
2) Clérigo – 2.1) Druida (neutro): o sacerdote que deixa de adorar a um deus em específico para agraciar e ser agraciado com a beleza e a magia da natureza; 2.2) Cultista (caótico): corrompido pelo poder concedido pelas forças ocultas, o cultista é o adorador de senhores caóticos. 
3) Mago – 3.1) Ilusionista (neutro): aqueles capazes de dobrar a realidade e modificar a trama a seu bel-prazer. Criadores de ilusões tão reais quanto a própria fé; 3.2) Necromante: magos cuja vida foi devotada ao estudo das artes sombrias, como a criação e o controle de mortos vivos. O destaque para essa subclasse é a possibilidade de se tornar um Lich no 11º nível. 
4) Ladrão – 4.1) Ranger (ordeiro): suas habilidades lépidas se voltam à proteção e ao patrulhamento das áreas selvagens mais vulneráveis ao avanço da sociedade; 4.2) Bardo (neutro): dedos rápidos e língua afiada, os bardos são os artistas-aventureiros responsáveis por comporem e fazerem parte das grandes lendas do mundo; 4.3) Explorador (ordeiro): cansados da vida nas florestas de concreto, esses são os ladrões que se aventuram pelos confins do mundo, explorando lugares impossíveis e inabitáveis; 4.4) Assassinos (caóticos): os mestres na arte de matar. Silenciosos como o pulo de um gato, indetectáveis como a sombra de um vento.
Obs.: é importante frisar que cada uma delas concede, em diferentes níveis, poderes especiais àqueles que as seguirem, como é o caso do necromante poder se tornar um lich no 11º nível.
Já com elementos do OD&D, do AD&D e do D&D 3.5, o capítulo de subatributos começa a mostrar como funciona realmente o sistema Old Dragon. Aqui é falado sobre a Classe de Armadura, o subatributo que determina sua capacidade de evitar golpes diretos ou indiretos de inimigos; sobre as Jogadas de Proteção, o elemento que te permite evitar efeitos externos, como magias, venenos e petrificações; e os Pontos de Vida, que determinam o quanto de injúrias físicas seu personagem agüenta. Também é falado sobre os idiomas, que agora trazem regras para aqueles que foram aprendidos na forma oral e na forma escrita.
Destaque especial vai para os alinhamentos, que agora não trazem mais dois eixos como antes. No Old Dragon, o personagem pode ser, à sua escolha, tanto Ordeiro e Neutro quanto Caótico. Contudo, bondade e malignidade não são mais ditadas fora do jogo, e sim dentro. O que acontece é que os autores preferiram não se ater à definição de bem e mal judaico-cristão, o que permite uma maior abrangência de interpretação por parte dos jogadores.
O capítulo de equipamentos vem com itens básicos essenciais a uma boa exploração, e o seguinte traz regras sobre movimentação, armadilhas, luz e visibilidade. O legal aqui é que há até figuras mostrando como funciona a visão no escuro de um anão.
 Adiante, temos o capítulo de Combate, que não traz muitas surpresas. Com um texto facílimo de ler e boas explicações, é possível aprender em minutos todas as regras referentes a uma luta dentro do Old Dragon. Há também tabelas para jogadas de acerto crítico, resumos de situações – como afogamento e quedas –, e diagramas para facilitar a aprendizagem de mestres iniciantes.
Por fim, já se aproximando dos capítulos finais, nos são passadas as magias utilizadas no sistema. Ao todo são 197 feitiçarias: sendo 80 divididas entre 7 círculos (níveis) divinos e 117 em 9 círculos arcanos. E na última parte do módulo, uma área dedicada aos mestres, com tabelas de tesouro, itens mágicos e uma grande lista de monstros, é finalmente explicado como se pode mestrar, exatamente, um RPG aos moldes old school. E na lista de monstros temos duas gratas surpresas: a Arak-Tachna, uma poderosa divindade em forma de aranha criada especialmente por Fabiano Neme para esse sistema. E o rei da loucura, Cthulhu, o deus-aberração criado por H.P. Lovecraft.
Bom, e o veredicto final é: o Old Dragon é um excelente produto. Criado para agradar os fãs mais saudosistas, o sistema de Antônio Sá e Fabiano Neme acabou conquistando, com sua simplicidade e consistência, até mesmo aqueles que nunca tinham experimentado a sensação de rolar um dado. Se você quer um jogo que alcance, mesmo que brevemente, todas as suas necessidades básicas de rpgista, o Old Dragon é para você. Mas se você é do tipo que gosta de destrinchar cada detalhe da regra e perscrutar cada centímetro da mecânica do jogo, passe longe dele, pois, uma vez que nem mesmo perícias (sentiram falta delas na resenha?) e detalhamento específico fazem parte do Old Dragon, a adjudicação, a sagacidade e a criatividade passam a ser os verdadeiros elementos indispensáveis para uma boa condução desse magnífico RPG brasileiro. E como diria o próprio mestre Gary Gygax: quanto mais se explica, mais tem que se explicar, não é mesmo?
E então, o que vocês querem para vocês?
Visite o site oficial: http://www.olddragon.com.br/