Contos: 5 - A Caverna dos Esqueletos

Parte 3 – Túneis, escuridão e criaturas

     Ainda sob as árvores da floresta, Aisha e os guerreiros retiraram de suas mochilas os equipamentos que poderiam ser úteis na caverna e deixaram para trás grande parte do peso que vinham carregando. Gauner entregou-me uma espada curta e ordenou que eu também deixasse qualquer peso desnecessário. Quando subimos a rampa de pedra e chegamos à entrada da caverna, apenas Krieger levava uma mochila, com uma corda com gancho e algumas tochas. Gauner e Aisha levavam suas armas em punho. Eu entrei carregando a espada curta, uma tocha já acesa e um medo enorme no peito.

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     A passagem que dava acesso ao interior da montanha era estreita e irregular. Gauner entrou primeiro, e enquanto avançava descrevia-nos o caminho. Atrás do batedor ia Krieger, em seguida Aisha e por fim eu, carregando a única fonte de luz. O interior daquela passagem não era a caverna que eu esperava. Era apenas um túnel cheio de raízes finas que se entendiam por quase seis metros ao longo do corredor, formando uma espécie de cortina que atrapalhava nossa visão. Em seguida as plantas acabavam e o túnel dividia-se numa bifurcação. Num ângulo acentuado, à esquerda, seguia uma passagem estreita onde teríamos que andar em fila e de lado, caso quiséssemos avançar por lá. Em frente, com uma suave curva a direita, seguia outro corredor que parecia ser a continuação natural da passagem de entrada. Gauner examinou o túnel à esquerda e concluiu que a rocha estava ligeiramente mais seca. Além disso, vinha de lá uma leve brisa. O batedor concluiu que a passagem deveria levar a algum vale, ou talvez ao topo da montanha, então, seguimos em frente.
     À medida que avançávamos o corredor começava a se tornar mais amplo, e lentamente o teto e as paredes começaram a se abrir. Depois de algum tempo, tive a impressão de ter se passado aproximadamente uma hora, chegamos a um grande salão semicircular com o teto elevando-se seis metros sobre nós. Dele pendiam várias estalactites de onde pingavam gotas d’água. O chão da câmara, umedecido pela água que gotejava, era muito liso e tinha um declive, não muito acentuado, que se dirigia a uma grande abertura no lado oposto da caverna, em frente ao túnel por aonde chegamos. Gauner pediu que esperássemos no corredor, ascendeu outra tocha com Krieger e cruzou a câmera com cautela examinando o piso escorregadio. Quando ele chegou a grande passagem, que era o fim da câmara, voltou-se para mim dizendo, “Deve haver outra entrada”.
     Depois daquele grande salão só havia um precipício escuro. A água que gotejava das estalactites espalhava-se pelo chão da caverna e escorria calmamente pela parede do abismo. Eu me aproximei da grande abertura, até o local onde Gauner estivera, e então larguei a tocha que vinha carregando no vazio. O fundo do precipício ficava a aproximadamente quinze metros, e lá parecia haver um pequeno túnel, á esquerda, para onde seguia um estreito curso d’água. O abismo era como uma larga fenda na rocha, e nós conseguíamos ouvir gotas d’água pingando do teto da fenda, que não deveria estar muito acima da câmara onde nos encontrávamos. A parede do outro lado não era visível, mas uma vez que chegássemos ao chão, poderíamos cruzar a fenda pelo fundo dela, e caso não houvesse saída, poderíamos voltar, como Gauner sugeria naquele momento.
     Eu me voltei para Aisha e me vi sugerindo a ela o que deveríamos fazer. Não sei o que motivara minha iniciativa, mas eu sabia que aquela era a Caverna de Oldrim, e que deveríamos seguir descendo para a escuridão. Por alguns minutos os guerreiros discutiram sobre minha sugestão, e Aisha deu a palavra final. Krieger, então, retirou a corda e o gancho de sua mochila e nos preparamos para a descida. Eu acabei sendo o primeiro a descer, já que a sugestão fora minha. Chegando ao fundo do precipício, após uma escalda lenta por um paredão de pedra úmido e liso, recuperei minha tocha e examinei rapidamente o túnel que avistara do salão. Um pequeno filete d’água corria pelo chão até uma passagem não muito ampla, mas pela qual poderíamos continuar andando.
     Aisha foi a segunda a descer, Gauner o último. Enquanto a mulher deixava a corda e se colocava ao meu lado, eu tive a sensação de ver alguma coisa brilhando junto à parede que recém escaláramos. Num primeiro momento, achei que fosse a luz da tocha que Gauner carregava, refletida nas gotas d’água que caíam como uma chuva leve do alto precipício, mas então percebi que era alguma coisa em movimento. Antes que eu pudesse gritar em alerta, uma aranha gigante, que espreitava a descida dos guerreiros, saltou da escuridão nas costas de Gauner. Krieger, a meio caminho da descida, sentiu um solavanco forte na corda antes de ver uma criatura, quase de seu próprio tamanho, abraçando seu companheiro que se debatia tentando livrar-se do monstruoso animal. Mas a imensa aranha prendia Gauner entre suas patas, como se ele fosse um pequeno inseto impertinente.
     Krieger não soube muito bem o que fazer de imediato e acabou escalando na direção de Gauner, pensado em como agir. Quando ele estava próximo o suficiente da aranha, sacou sua espada larga, mas sua arma era grande demais para ser empunhada com uma das mãos. Ao invés de desferir um ataque, que poderia acabar atingindo Gauner, Krieger apenas empurrou a criatura, colocando a lâmina de sua arma entre ela e seu companheiro. O monstro caiu, quase sobre Aisha, e pareceu ficar atordoada com a queda. A guerreira golpeou a criatura pelos menos duas vezes, antes que a aranha conseguisse pôr-se em pé, em posição de ataque.
     Krieger voltou a descer e logo se colocou ao lado de Aisha. Gauner, no entanto, escorregou rápido pela corda e passou, correndo, por todos, em direção ao túnel que havíamos encontrado. Ao cruzar por Aisha e Krieger, o batedor disse, num tom quase desesperado, “Vamos embora. Há mais delas”. Ao ouvir aquele aviso eu olhei para a parede de nossa descida e avistei mais duas aranhas. Uma delas era ainda mais assustadora que a já grande criatura que pulara em Gauner. O monstro era maior que um cavalo e suas quelíceras viscosas eram do tamanho de um punhal.
     Seguimos Gauner até a passagem e nos pomos a correr, com o estreito curso d’água sob nossos pés, até chegarmos a um beco sem saída. O corredor natural terminava, mas havia um tipo de bueiro no chão, fechado por um gradil redondo de ferro, por onde a água escorria. No interior do túnel vertical havia uma espécie de escada, feita de barras de ferro arqueadas presas à pedra. Gauner, que chegara primeiro, tentou forçar o gradil do bueiro, mas não conseguiu abri-lo. O guerreiro parecia sem forças e um pouco trêmulo. Aisha aproximou-se de seu companheiro e percebeu que ele estava ferido. Gauner tinha marcas de ferroadas no pescoço, duas feridas enegrecidas e inchadas. Aisha abriu, ela mesma, a passagem do túnel, e ordenou que eu descesse primeiro e auxiliasse Gauner, que logo me seguiu. A escada nos conduziu a um novo salão
     Enquanto Aisha e Krieger desciam, eu levei Gauner até uma grande rocha próxima a margem da poça d’água que o pequeno córrego formava no fim da escada. Ele começou a ter dificuldade para caminhar e parecia estar febril. Assim que o ajudei a sentar-se no chão ele apontou alguma coisa na escuridão da câmara. Eu ergui a tocha acima da cabeça para que a luz se espalhasse ao máximo e todos nós vislumbramos uma grande caverna, com o chão coberto por moedas de ouro, baús com pedras preciosas e joias de todo o tipo, e por ossos de dezenas de esqueletos. No centro do salão, rodeado pelos tesouros e ossadas, o corpo de uma mulher descansava sobre um altar de pedra.
     Aisha, ao ver aquela mulher que, não fosse pela falta de movimentos que indicassem que respirava, pareceria apenas adormecida, agarrou a mochila que Krieger trazia e retirou dela todas as tochas. Em seguida largou a mochila vazia ao lado de Gauner e ordenou que ele começasse a enchê-la de tesouros. Eu ajudei Aisha a acender as tochas e quando a luz aumentou descobrirmos duas passagens no salão, uma a direita do altar, outra a esquerda. Enquanto Aisha e eu nos dirigíamos à passagem a direita, que conduzia a um túnel quase totalmente obstruído por um desmoronamento de pedras, de onde soprava uma brisa quente, sugerindo que o corredor poderia ser uma saída da caverna, Krieger, intrigado com a mulher sobre o altar, aproximou-se do bloco de pedra. Ao chegar junto do altar, e debruçar-se sobre o corpo da mulher, o último passo do guerreiro produziu um estalido, chamando a atenção de Aisha, que se virou para o guerreiro. Num piscar de olhos uma lança surgiu sob os pés de Krieger, atravessou sua armadura na altura do abdômen e trespassou seu tronco. Quando eu voltei-me para ele, vi a ponta metálica da lança, ainda se deslocando lentamente, saindo pela orelha esquerda do guerreiro. Krieger foi empalado com tamanha rapidez, que ainda estava consciente quando Aisha aproximou-se, e ele pareceu conseguir dizer algumas palavras a ela antes de seus joelhos dobrarem-se e seu corpo escorregar pela lança até descansar, arqueado, no chão frio da caverna.
     Atônito em frente ao cadáver de Krieger, Gauner, quase sem forças, largou a mochila aos seus pés e lançou sobre Aisha um olhar vazio. A guerreira gritou para que eu a ajudasse a levanta-lo e eu corri na direção deles, mas parei quando vi surgir, de repente, pela passagem à esquerda do altar, o que parecia ser um homem muito magro e corcunda, vestindo um robe escuro, típico dos feiticeiros. Aisha percebeu minha hesitação e seguiu meus olhos voltando-se para o homem que entrou na caverna. Eu percebi, então, que não era um homem, era uma criatura esquelética de pele cinzenta, com pontos alaranjados de uma luz fantasmagórica, brilhando no lugar dos olhos. Já no interior da caverna a criatura fez um amplo gesto com as mãos, revelando longos dedos deformados, com unhas compridas e negras como as garras de um urso, e os esqueletos espalhados por todos os lados, em obediência, ergueram-se lentamente.
     Aisha voltou-se para mim e ordenou que eu fugisse levando Gauner, e ela precisou gritar duas vezes até que eu conseguisse reagir. A guerreira, então, segurou firme, com ambas as mãos, sua espada e investiu contra as criaturas. Enquanto ela lutava, tentando manter os esqueletos afastados, eu me aproximei de Gauner, peguei a mochila junto dele, levantei-o e corri em direção ao túnel que deveria nos levar à saída. Chegando à passagem virei-me a procura da guerreira e um raio, saído das mãos daquela criatura esquelética, atingindo o alto do corredor e pouco antes de terra e pedras caírem do teto, isolando a caverna, eu vi Aisha pela última vez.
     No caminho de volta para Atom, Gauner morreu. Ele fora envenenado pela aranha gigante, e creio que nem mesmo um antídoto teria mudado seu destino. Eu trouxe seu corpo e fizemos uma cerimônia simples de sepultamento, para ele e para Stam. O velho Greis e o garoto Benj ainda ficaram alguns dias no vilarejo, esperando o retorno de Aisha. Se as coisas aconteceram como eu dissera, afirmava Greis, Aisha teria sobrevivido.
     Há alguns anos Benj esteve em Atom-Fills mais uma vez. O pobre rapaz havia enlouquecido tentando encontrar Aisha, e afirmava ter ouvido boatos sobre uma mulher, muito rica, que viajava pelo mundo gastando um tesouro imenso encontrado numa caverna de esqueletos. Para Benj eram estórias sobre Aisha. Eu gosto de imaginar que a guerreira tenha conseguido enfrentar as criaturas e que tenha sobrevivido. Mas talvez ela tenha fracassado, e da próxima vez que decidirem encontrar aquele tesouro terá mais um esqueleto para ser enfrentado, na Caverna dos Esqueletos.

Nota do autor.
     Desculpem pelo pequeno atraso. Aí está o final do conto. Até o próximo.

Abraço.