Contos: 5 - A Caverna dos Esqueletos

Parte 1 - A Lenda de Oldrim

     Já faz bastante tempo que estive na Caverna dos Esqueletos, mas eu lembro muito bem daqueles aventureiros que me convidaram para guia-los até lá. Eu penso naqueles mercenários, às vezes, principalmente na mulher, Aisha, a líder do grupo. Eu sempre irei me perguntar o que terá acontecido com ela e creio que nunca encontrarei uma resposta.

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     Aisha foi a donzela mais linda que já vi, e acredite, eu vi muitas mulheres bonitas em minha longa vida, de meretrizes a damas e rainhas, nenhuma, porém, tão magnífica quanto a jovem Aisha. Ela tinha cabelos longos que se estendiam por suas costas até a cintura, de um preto mais profundo que a penugem de um corvo, com um brilho azulado que parecia sugar toda a luz ao seu redor, e eram lisos e leves como fios de seda. Seu corpo esguio, com pernas longas e fortes, não tinha mais de um metro e setenta, e sua pequena cintura contrastava com seus seios fartos. Ela andava com elegância e autoridade, mantendo sempre uma postura impecável. O rosto tinha uma beleza selvagem, mas suas expressões eram sempre serenas e angelicais. Sua boca, com lábios rosados e carnudos, era grande e delicada. Os seus olhos negros e expressivos eram mais escuros que uma noite sem luar. E sua pele macia tinha um leve bronzeado, como a de alguém que passa muito de sua vida em locais quentes e ensolarados.
     Aquela jovem, sem dúvida, não parecia uma mercenária. E se eu não houvesse estado com ela e seu grupo, jamais acreditaria que uma mulher tão bela andaria na companhia de homens tão rudes quanto aqueles bandoleiros que formavam seu grupo.
     Na época em que Aisha esteve em Atom-Fills a vila era uma aldeia quase insignificante no extremo leste da Planície Cinzenta, ao sul da baía Tückisch. Era também um lugar mais amistoso e mais cheio de vida do que é agora. Mas o que trouxera Aisha e seus companheiros até aqui não fora o desejo de conhecer as belezas naturais da região, nem a vontade de apreciar a famosa arte dos moradores de Atom com o trigo. Não! Eles estavam interessados nas riquezas da Caverna de Oldrim, cuja lenda eu conhecia.
     Durante minha juventude eu trabalhei na casa de um antigo governante de Atom. Uma de minhas tarefas naquele tempo consistia em tomar conta do pai do governante que era um senhor de idade bastante avançada. O velho tinha dificuldade para realizar pequenas tarefas, como escrever, usar talheres e até para andar. Assim, eu era o responsável por auxiliá-lo. Apesar das limitações físicas, o pai do governante mantinha sua lucidez intacta, e me contava várias estórias sobre Atom-Fills, muitas delas vividas por ele próprio. Em certa ocasião o homem confessou-me que desejava registrar suas memórias em um pequeno tomo e não podendo escrever, pediu que eu lhe servisse de escriba. Foi assim que eu obtive grande parte do conhecimento que tenho hoje, sobre a aldeia de Atom e, claro, sobre a lenda do “Velho Louco”.
     No momento que Aisha e sua trupe chegaram a Atom logo se instalaram na taberna e em seguida procuraram alguém capaz de relatar com detalhes a lenda sobre a Caverna de Oldrim. Não demorou até que chegassem a mim, e desse modo foi que eu acabei envolvido na aventura daqueles mercenários. Eles me ofereceram algumas peças de cobre para relatar a lenda sobre a caverna e mais tarde, por uma quantia considerável em ouro, acabei aceitando guia-los até lá.
     Nos dias que antecederam a ida até as montanhas Aisha pediu que eu contasse tudo que sabia sobre a Caverna de Oldrim. E eu disse que segundo a estória sobre “O Velho Louco”, a caverna tornou-se a última morada de Oldrim, um antigo nobre que vivia em Atom quando se abateu sobre ele uma grande tragédia. O nobre era um jovem feiticeiro dotado de grande inteligência e em sua juventude tornou-se membro de uma poderosa ordem de arcanos, pois seus colegas o consideravam um prodígio na arte da magia. Oldrim também era muito competente com experiências alquímicas e os resultados de seu trabalho eram apreciados por pessoas importantes e influentes. Sua habilidade era tamanha e trouxe tantos benefícios para seus aliados que garantiu a ele um título de nobreza e grande prestígio em todo o reino.
     Após receber um título de Barão, Oldrim casou-se com uma jovem camponesa nascida em Atom-Fills. Para receber um título de nobreza é exigido que o nobre tivesse uma companheira. Apesar de não conhecer muito bem sua esposa o feiticeiro e sua escolhida foram afeiçoando-se um ao outro e com o tempo apaixonaram-se. A estória de amor entre Oldrim e sua esposa é muito bonita e singela, mas o importante foi que o casal comprou um pequeno sobrado na aldeia, a pedido dela que sempre desejou voltar a viver na aldeia. Foi assim que Oldrim conheceu Atom, onde ele se refugiava de suas obrigações para descansar. O que começou a ocorrer com mais e mais frequência.
     Gozando de muito confiança junto aos nobres do reino, Oldrim passou a sofrer de delírios de grandeza e a consumir cada vez mais recursos no desenvolvimento de suas experiências. Seu trabalho tornou-se uma obsessão e sua esposa, descontente com os afazeres do marido, acabou por mudar-se em definitivo para Atom-Fills. Com o tempo, os nobres que encomendavam os serviços de Oldrim se afastaram dele, e os membros da ordem arcana, cansados de sua instabilidade, o expulsaram do grupo. Após esses acontecimentos o feiticeiro passou a viver com sua esposa em Atom e por muitos anos eles foram felizes. No entanto, os delírios do nobre estavam apenas encobertos pela rotina de sua vida pacata. Sem as obrigações que o pressionavam, Oldrim, no início, foi um homem prestativo e bem quisto pelos moradores de Atom. Mas quando sua esposa morreu vítima de uma doença, a obsessão do feiticeiro retornou e ele se tornou cada vez mais estranho e distante da realidade.
     Inconformado com a perda da esposa, o nobre decidiu dedicar-se a trazer sua amada de volta a vida, e passou a trabalhar dia e noite em seu intento. Os últimos relatos sobre as atividades de Oldrim na aldeia contam que ele era visto vagando pela floresta durante noites inteiras, e que passou a realizar estudos sobre necromancia. Durante suas andanças noturnas ele colhia materiais dos mais variados para suas experiências, desde plantas até vísceras e excrementos de animais. E de sua casa ouviam-se gritos e cânticos macabros. Em outras ocasiões ele era vistos realizando rituais estranhos que pereciam reverenciar a lua cheia e envolver alguns tipos de oferendas para divindades que regem os segredos da morte.
     Com o passar do tempo os moradores da época começaram a temer as atividades do nobre e inúmeras pessoas tentaram confrontá-lo. Foram todos rechaçados e a partir daquele momento o feiticeiro passou a ser chamado de “O Velho Louco”. Porém isso durou pouco tempo, pois logo após receber esse apelido, Oldrin abandonou o vilarejo e foi instalar-se numa caverna. A população levou algum tempo para descobrir o que o velho pretendia, carregando móveis estranhos e matérias de laboratório de sua casa. Mas logo entenderam que a insanidade havia o tomado por completo, quando Oldrim dirigiu-se para as montanhas levando nos braços o cadáver de sua esposa e deixando para trás sua casa em chamas.
     O clérigo da aldeia havia tentado inúmeras vezes convencer o feiticeiro a realizar uma cerimônia de sepultamento para a falecida. Mas Oldrim recusara dizendo que já havia tratado daquilo. O clérigo, então, deixara de insistir. No momento que o nobre deixou sua casa em Atom com o corpo de esposa nos braços todos entenderam o que estivera em curso. Havia-se passado quatro anos desde que o feiticeiro ficara viúvo, no entanto sua esposa não parecia um cadáver. A mulher tinha a aparência de alguém em sono profundo. De algum modo, provavelmente por meio de um grande mal, o Velho Louco estava mantendo o corpo sem vida de sua mulher em um estado de conservação.
     A caverna onde Oldrim foi morar ficou conhecida como Caverna de Oldrim e por muito tempo foi considerado um lugar proibido para os moradores de Atom. Estórias eram contadas para as crianças, dizendo que elas seriam levadas para o Velho Louco se não se comportassem. Os relatos sobre visões do feiticeiro dizem Oldrim passara a realizar rituais malignos e que havia feito pactos com demônios. Alguns diziam que ele tornara-se um zumbi e que vagava pelas montanhas à noite, seguido por esqueletos. Outros afirmavam que ele bebera sangue de demônio e que possuía asas de morcego e chifres de bode.
     Aisha não ficou satisfeita com meu relato, pois não havia como ter certeza sobre o que ela e seu grupo enfrentariam na caverna. De qualquer modo os preparativos para a aventura foram feitos e no dia seguinte eu parti, como guia, em direção a Caverna de Oldrim.